Pedido feito e atendido prontamente. Afinal, ninguém ali ousaria dizer não ao ídolo. Para aquelas 64 mil pessoas na noite de segunda-feira no Morumbi, McCartney era rei. Entre as músicas, soltava seus gritos e interjeições para, em seguida, ouvir a resposta do público, que repetia tudo. Até imitação de cachorro estava valendo. E nem tinha como ser diferente, todos estavam vivendo em outra dimensão. O momento era mágico: tínhamos um Beatle ali, a poucos metros de nós. Como descrever isso?
E Paul correspondeu a todas as expectativas. Do alto dos seus quase setenta anos, esbanjou vitalidade, simpatia – a plateia estourou em risos quando ele se assustou com um berro de uma fã e o retribuiu na mesma intensidade - e, naturalmente, talento. Deu aula de virtuosismo no baixo, na guitarra, no piano, no banjo... E, para completar, estava muitíssimo bem acompanhado. Que banda era aquela? “Maravilhosos”, parafraseando o bom português de Macca.
Cada um no palco mostrou o porquê de ter sido escolhido para tocar ao lado de uma das maiores lendas do rock, numa parceria que já dura nove anos. Os guitarristas Rusty Anderson e Brian Ray (que alternou com o baixo) impressionavam com seus solos; Paul Wickens (diretor musical) era mais discreto, mas não menos eficiente nos teclados. Porém, a grande atração da noite, fora o próprio Paul, claro, era o brilhante baterista Abe Laboriel Jr. Ele demonstrou uma entrega total no show e ganhou o público com seu desempenho e dancinhas que fazia quando não era exigida a sua participação no instrumento. O que levou Sir Paul a perguntar, em tom ironicamente surpreso: “Did you like Abe Laboriel?”.
Li alguns comentários no Twitter, principalmente do jornalista Ricardo Noblat, sobre certa “pobreza” na produção do show. Sinceramente, é querer aparecer. E justificar opiniões contrárias a essa como “cegueira de fã” é não ter argumentação. A pobreza aí é de espírito. E se ele não ficou arrepiado em “Live and Let Die” – fiquei completamente rouco depois dessa música - realmente não mereceu ter assistido ao show. Mas, ainda assim, que seja, não briguemos por isso. Pois McCartney poderia se apresentar sem estrutura alguma que o show valeria a pena do mesmo jeito.
Cada canção era um momento único. A Ingrid, que soltou a voz efusivamente até em “Ob-la-di Ob-la-da”, que ela não suporta, segurou as lágrimas até soarem os primeiros acordes de “Got to get you into my life”. Aí não ofereceu mais resistência. Já em “My Love” - que Paul escreveu para a sua “gatinha linda, mas que agora era dedicada a todos os namorados” – nada melhor do que abraços e beijos para comemorar o aniversário de namoro (data perfeita, não?). Só faltou “Maybe I’m Amazed” na sequência, mas essa eu canto no ouvidinho dela, sem problemas (ah, e ela também me deve uma costa nova por tê-la carregado em algumas horas para ver melhor esse “velhinho enxuto”, hehehe).
O cenário perfeito também aconteceu em “Blackbird”. Foi quando a chuva deu uma trégua e a lua cheia surgiu, meio sombria, entrecortada por algumas nuvens. Isso sem contar com as homenagens a George Harrison e John Lennon, com “Something” e “Here Today”, respectivamente, que fizeram o público fechar os olhos, erguer as mãos e prestar reverência. Isqueiros acesos na pista e pulseiras coloridas nas arquibancadas completaram o bonito espetáculo.
Ao final, uma certeza: esse show foi, sem dúvida, um dos momentos mais marcantes da minha vida. Antes, durante e depois. A agonia para comprar ingressos, os problemas pré-viagem, a espera na fila, a tia de João Pessoa, que parecia ter vindo direto de Woodstock, e que, com a maior cara de pau, furou na nossa frente, mas ninguém se queixou de tão engraçada que ela era; a chuva ininterrupta desde 14h, os pulos e a euforia rock’n’roll em “Helter Skelter”, “Back in the USSR” e “Day Tripper”, os corpos exaustos jogados no chão após os dois bis, além da volta para o hotel, molhados e mancando. Tudo valeu a pena. Feliz, muito.
“I've got a feeling, a feeling deep inside / Oh yeah, Oh yeah (that's right)
I've got a feeling, a feeling I can't hide
Oh no. no. Oh no! Oh no
Yeah! Yeah! I've got a feeling. Yeah!”